POR QUE ASSISTIR “EU NÃO SOU SEU NEGRO”: POR DOUGLAS BELCHIOR
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“Branco é uma metáfora do poder”, ou, por que você deve assistir ‘Eu não sou seu negro’.
Por Douglas Belchior*
“Eu não sou seu negro” é um filme sobre a liberdade, oportunidade e democracia nos EUA. Mais especificamente sobre quão relativos, frágeis e seletivos tais conceitos se fazem verdade na vida real do povo negro americano.
O diretor do documentário é um ativista político haitiano e negro, Raoul Peck. Ele conseguiu, com maestria, expor a saga vivida pelos negros norte-americanos, a pobreza, a desigualdade, a segregação e o racismo. Para isso, partiu dos registros do escritor James Baldwin sobre a situação da população negra estadunidense. Baldwin morreu em 1987 e não completou sua obra, “Remember this house”. Antes, conseguiu deixar seus escritos a Raoul Peck que, com a narração do ator Samuel L. Jackson, expõe nesta obra a forma como se dá a opressão racial nos EUA, a partir das trajetórias dos ativistas Malcolm X, Martin Luther King Jr. e Medgar Evers.
As histórias Malcon X, assassinado em 1965, e Luther King, assassinado em 1968, são muito conhecidas, não vou repeti-las aqui. Mas confesso que praticamente desconhecia o terceiro personagem, Medgar Wiley Evers. Foi pouco antes de um pronunciamento do presidente Kennedy, em 12 de junho de 1963, que aquele homem negro, ex-corretor de seguros estacionava na porta de casa num bairro de Jackson, capital do estado do Mississippi. Uma bala acertou-lhe as costas, entrou pela janela, ricocheteou na geladeira, quebrou um bule e estacionou na pia da cozinha. (…)
Não deve ser confortável para um branco assistir esse documentário. E não é mesmo pra ser. O enredo faz emergir a ideia de uma cultura de supremacia, racista e higienista, que desde suas primeiras gerações em terras do novo mundo, se dedicou ao extermínio indígena e à opressão aos negros. Cara-pálidas mocinhos heroicos, montados em grandes cavalos, assassinando índios como se obedecessem uma mandamento de Deus. Aos negros, a desumanização e a coisificação permanente. Coisas não sentem dor. Coisas não tem alma e valem só a sua capacidade de servir e produzir. (…)
E há um sentimento que aperta o peito ao fim do documentário, que é justamente a identidade com as raízes do sofrimento negro, dada ao passado de séculos de escravidão e colonialismo, que deixaram marcas profundas e permanências reais em nossas vidas e em ambas as sociedades. Prova disso são os índices de pobreza e precariedade em todas as dimensões da vida, a que a população negra é imposta tanto lá quanto cá.
“Eu não sou seu negro” emociona. Sim é triste e revoltante. Nos faz pensar, enquanto comunidade negra, o quanto estamos cansados de depender de “heróis brancos”, de líderes brancos, de políticos brancos e de favores dos brancos. (…) Como bem afirma James Baldwin, “Branco é uma metáfora do poder”. Metáfora essa que não fomos nós, negras e negros, quem inventou. E em alguma esquina da história essa corrente, essa permanência estamental racializada vai se quebrar. Cabe a nós, trabalharmos para que isso ocorra logo.
Por Douglas Belchior* – Douglas Belchior é Formado em História pela PUC/SP, Professor, editor do Blog Negro Belchior – Carta Capital; Fundador e professor no Movimento Uneafro-Brasil; Palestrante/Conferencista sobre a temática “História das Lutas Sociais no Brasil”, “Questão Racial no Brasil” e “Direitos Humanos”; É colunista de Lutas Sociais no Jornal da TVT – TV dos Trabalhadores; Colaborador na formação da Frente Pró Cotas Raciais do Estado de São Paulo e das Articulações do Movimento Negro contra o Genocídio da População Negra.
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