Inscrições abertas!
Inscrições abertas!
Inscrições abertas!
Paterson é um motorista de ônibus na cidade de Paterson, onde se passa o poema magistral “Paterson”, do americano William Carlos Williams (1883-1963).
Localizada em Nova Jersey, a cidade é também o cenário para o novo filme de Jim Jarmusch, naturalmente batizado de “Paterson” para manter a coerência. O longa-metragem se enquadra entre as grandes obras de Jarmusch, e reforça o talento do diretor em extrair lirismo de qualquer situação. Sua história se passa ao longo de uma semana, com os dias escritos na tela e situações bem marcadas entre a manhã e a noite para deixar clara a rotina dos personagens para o espectador.
O melhor de Jarmusch é que ele entende que a vida cotidiana só é convincente quando se torna repetitiva, então 2/3 da história servem para mostrar como aquele motorista de ônibus passa suas horas sem nada de especial, apenas trabalhando, tendo um relacionamento amigável com sua mulher, passeando com seu cachorro, Marvin, e observando seu mundo limitado pelas ruas quase sempre vazias de Paterson. Ah, ele também escreve poemas e é fã de Carlos Williams. É um motorista poeta (interpretado por Adam Driver), e só essa ideia já é perfeita para o objetivo que se pretende alcançar.
Depois, só para lá da metade do filme é que a rotina é brevemente quebrada. E novamente Jarmusch mostra a qualidade do seu cinema ao lidar com acasos e acidentes, para no fim tudo voltar ao normal. Porque a vida de um poeta é, afinal, a eterna contemplação do banal.
Sobre o Autor:
André Miranda é crítico de cinema e repórter especial do jornal “O Globo“.
Crítica Originalmente publicada no site Papo de Cinema
Joaquim, de Marcelo Gomes, leva ao cinema mais uma encarnação de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira (1789), herói nacional que, ao longo da história do Brasil, recebeu diferentes tratamentos por parte dos poderes instituídos – traidor, santo, revolucionário –, e que já apareceu em filmes de matrizes diversas, representando abordagens diversas para temas ligados ao passado da nação – sendo os mais célebres deles Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade, e Tiradentes (1999), de Oswaldo Caldeira.
Mas, enquanto Joaquim Pedro, em sua obra-prima, apostou no anti-naturalismo e na alegoria para falar com amargura do papel dos intelectuais em contextos autoritários – seu filme foi realizado durante a ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985 – e Caldeira, na efervescência da Retomada, seguiu caminho semelhante ao de Carlota Joaquina: Princesa do Brazil (1995), lançando ao século XVIII olhar irônico e anacrônico com o objetivo de tratar de um presente de corrupção e descrença na política, Gomes se filia a outro tipo de cinema. Joaquim se encontra completamente mergulhado, desde seu início, numa estética da crueza, num naturalismo extremo. O diretor não abre qualquer espaço para a mitificação do protagonista (Júlio Machado), apresentado todo o tempo como um bruto, homem de seu tempo, ganancioso na medida necessária à sobrevivência em meio à aridez da Minas colonial, movido por projetos condizentes com sua pequenez naquela sociedade: uma promoção na carreira militar e a aquisição de riqueza suficiente para comprar a escrava (Isabel Zuaá) por quem se afeiçoa sexualmente.
Ao propor como recorte o período anterior ao do engajamento de Tiradentes no movimento independentista, gastando quase a totalidade de sua narrativa com as atividades de alferes, dentista e minerador do personagem, Joaquim aparenta optar pelo micro, pelo estudo minucioso de uma figura pré-política, ainda muito distante de se tornar um herói capaz de servir de plataforma para reflexões sobre diferentes aspectos do Brasil. Não parece haver, na superfície do filme, a intenção de discutir grandes questões nacionais. No entanto, a dureza do olhar de Gomes acaba se revelando justamente o caminho encontrado pelo diretor para falar sobre a história do país.
O Brasil de Joaquim não é o mesmo Brasil farsesco de Tiradentes ou o alegórico de Os Inconfidentes: da brutalidade do passado desmitificado pelo diretor só parece possível nascer uma nação também bruta, violenta. Assim, a Inconfidência Mineira e a figura de Tiradentes surgem aqui, novamente, como emblemas da formação nacional, mas numa chave negativa – não é à toa que o diretor opta por abrir o filme com um plano aterrador da cabeça do protagonista exposta em público, enquanto o próprio narra ironicamente, em off, seu destino, da execução à transformação em herói estudado nas escolas; tampouco é gratuita a escolha, para acompanhar os créditos finais, pela obra Reflexo de sonhos no sonho de outro espelho, da artista plástica Adriana Varejão, representação da fragmentação do corpo (nacional?) por meio da referência ao esquartejamento de Tiradentes. Em Joaquim, aliás, como na instalação de Varejão, parece ser impossível apreender o todo desse homem martirizado, já que ele surge na tela fragmentado, com Gomes revelando pequenas porções de sua personalidade e de sua trajetória. O próprio recorte da narrativa, portanto, é agente dessa fragmentação. Emerge daí uma leitura da história do Brasil também como país partido, esfacelado, não amalgamável.
Por fim, vale destacar a coerência entre tal leitura e a concepção visual do filme. A câmera na mão, sempre instável, dialoga com a tensão que o protagonista carrega em e sobre si, parecendo estar prestes a explodir. O Joaquim José da Silva Xavier criado por Marcelo Gomes é, nesse sentido, portador de tensão semelhante presente na sociedade brasileira, formada por processos violentos decorrentes de relações violentas, envolvendo pessoas de diferentes raças e nacionalidades ao longo de alguns séculos – processos e relações geralmente escamoteadas, apaziguadas por noções como a de “democracia racial”, que visam negar essa violência e pintar uma história harmônica, em que não existe qualquer conflito de raça ou classe. Joaquim é o oposto disso: ambas as formas de conflito são, no interior da narrativa, absolutamente incontornáveis, o que fica explícito, no primeiro caso, na sequência passada num quilombo, e, no segundo, naquela que encerra o filme.
Sobre o autor
Wallace Andrioli é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
por Francisco Russo, originalmente publicado no site Adorocinema
Disposto a vasculhar a musicalidade argentina, Saura dá oportunidade a vários cantores e grupos locais, representantes de ritmos como chamamé, malambo, chacarera, zamba e outros tantos. Por mais que seja impossível diferenciá-los para um leigo, chama a atenção a forma como todos utilizam instrumentos de corda, em seus variados estilos, e também a dramaticidade tão comum ao tango, que se manifesta através das expressões dos intérpretes. É o “sentir a música”, como tão bem sabe a brasileiríssima Maria Bethânia.
Nesta nova investigação musical, o diretor apela aos seus já conhecidos elementos cênicos: enormes painéis, que servem tanto para a exibição de imagens quanto das sombras dos próprios músicos e dançarinos, e espelhos para captar os movimentos em diferentes ângulos. Tudo instalado em um galpão localizado em La Boca, bairro emblemático de Buenos Aires, o que tanto facilita a produção quanto dá uma certa autenticidade ao projeto como um todo. Por mais que não seja possível identificar o local dentro da instalação, a proximidade com os vários estilos musicais com certeza auxiliou a pesquisa e a própria apresentação dos músicos.
No mais, Argentina é um imenso espetáculo de música, dança e sapateado. Com homenagens a Mercedes Sosa e Atahualpa Yutanqui, o longa-metragem surpreende com apresentações inusitadas, como o músico que usa as cordas do piano como bateria, e valoriza bastante o lado visual – as típicas boleadeiras não poderiam ficar de fora, é claro. Se não possui o mesmo impacto de trabalhos anteriores do próprio diretor, como Tango e Salomé, ainda assim trata-se de um filme interessante, que merece ser visto especialmente por quem curte este estilo de cinema, mais focado no lado estético do que na narrativa.
Francisco Russo (Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1978) é um jornalista e crítico de cinema brasileiro, diretor de conteúdo do site de entretenimento AdoroCinema.
Por RICARDO CALIL, colaboração para A Folha.
Dolores (Emilia Attias) retorna à Argentina para cuidar do sobrinho depois da morte da irmã.
Para quem se acostumou com os filmes do chamado nuevo cine argentino, “Dolores” será uma surpresa.
Em vez de um drama contemporâneo e urbano (como os da parceria entre Juan José Campanella e Ricardo Darín), o diretor Juan Dickinson (Destino Anunciado) oferece um romance clássico, passado em uma Argentina rural durante a Segunda Guerra.
A protagonista Dolores (Emilia Attias) é uma mulher forte e financeiramente independente. Quando sua irmã morre, ela retorna da Escócia para ajudar a cuidar do sobrinho de oito anos.
Em seu país, ela reencontra o cunhado Jack (Guillermo Pfening), fazendeiro de origem inglesa que foi o amor da sua adolescência e agora se encontra atormentado pela morte da mulher e pelas dívidas da fazenda.
A chegada de Dolores eleva o moral, as finanças e a libido de Jack, e os dois iniciam um caso secreto sob o olhar desconfiado da irmã dele, Florrie (Mara Bestelli).
As coisas se complicam quando Octavio (Roberto Birindelli), fazendeiro vizinhodescendente de alemães, se apaixona por Dolores e passa a cortejá-la.
Ecoando o embate entre Inglaterra e Alemanha na Segunda Guerra, Jack e Octavio passarão a disputar o amor de Dolores.
Está armado o cenário para um romance à beira do melodrama, que nos remete a Casablanca e outros filmes clássicos. É uma opção estética arriscada para a sensibilidade do espectador contemporâneo.
Mas “Dolores” consegue vencer essa aposta no classicismo graças a alguns fatores. Em primeiro lugar, por causa da segurança narrativa de Dickinson (embora, às vezes, seu domínio de linguagem se aproxime do academicismo).
Em segundo, e talvez mais importante, pela escolha de Emilia como protagonista. Ela é uma estrela de cinema, daquelas por quem a câmera se enamora, e sua beleza atemporal torna crível a disputa amorosa que está no centro do filme.
“Dolores” ainda consegue entregar um final surpreendente, algo que a condução convencional da trama não permite prever. Neste filme tão clássico, a pitada final é definitivamente moderna.
* Ricardo Kalil
Jornalista e documentarista, tem vasta experiência como crítico de cinema. Trabalha desde os 18 anos em jornais e revistas, como Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil, Jornal da Tarde, Trip e Bravo. Estreou na direção com o documentário Uma noite em 67 (2010), em parceria com o publicitário e também jornalista Renato Terra.
*Por Danilo Calazans – artigo originalmente publicado no site Pipoca de Pimenta
Como grande cinéfilo que me considero, estou sempre atento no final do ano àqueles filmes que começam a ser cotados como candidatos a disputa do Oscar. Me lembro quando “Mulheres do Século 20” começou a ser cogitado em algumas categorias importantes, como Filme, Atriz (Annette Benning), Atriz Coadjuvante (Greta Gerwig) e Roteiro. Lembro também de ter lido sobre o filme ainda em janeiro do ano passado, quando o mesmo ficou em 10º na lista do Indiewire dos 100 filmes mais aguardados de 2016 (link aqui: http://bit.ly/2ngqPj6).
Entretanto, muito tempo se passou e nada do filme ser lançado. Acabou que estreou em janeiro nos EUA, concorreu a apenas um Oscar (Melhor Roteiro Original) e mais de 2 meses depois finalmente chega ao Brasil. Como evito ver trailers sempre que possível, pelo texto que eu havia lido, acreditava que fosse tratar de uma história sobre uma mãe solteira que passava por dificuldades para criar seu filho. Mas, o que eu não sabia era que o feminismo seria um tema tão presente e importante para a trama.
Isso foi um ponto muito positivo por vários motivos. Por mais que eu tenha saído da sessão sem saber se havia gostado do filme por não o ter compreendido totalmente, isso me despertou a curiosidade de conhecer mais sobre o assunto antes de escrever sobre ele. E eu acredito que isso seja uma qualidade presente nos grandes filmes. Aquele filme que abre seus olhos para um assunto ou realidade que normalmente você não teria interesse, já cumpriu a sua missão de ser uma história relevante para as pessoas. E, confesso a vocês que mesmo uma rápida pesquisa, enriqueceu muito o resultado do filme para mim.
“Mulheres do Século 20” é escrito e dirigido por Mike Mills, um diretor de apenas três longas na carreira e que ganhou destaque com o tocante “Toda a Forma de Amor”, estrelado por Christopher Plummer – vencedor do Oscar e Globo de Ouro pela atuação. Se passando no final dos anos 80, o filme segue a história de três mulheres de gerações diferentes que se unem a pedido de Dorothea (Annette Benning) para ensinar seu jovem filho Jamie (Lucas Jade Zumann), a crescer como um “homem bom” sem uma figura masculina para o auxiliar.
O feminismo nos EUA começou muito forte nos anos 60 com as sufragistas que iam para as ruas para protestar por direitos iguais (como o voto ou trabalhistas). No entanto, “Mulheres do Século 20” tem uma abordagem muito diferente. Essa “segunda onda” do movimento que o filme retrata, amplia a questão dos direitos a um conjunto de temas mais íntimos, como a liberdade sexual ou o controle de natalidade, por exemplo. O conflito e as incertezas sofridas especialmente por Dorothea – que além de mulher, é mãe – são extremamente acentuados por essa atmosfera de mudanças. O filho está crescendo e os tempos estão mudando.
Mike Mills costuma se dedicar a projetos muito pessoais. Há quem diga que este filme é praticamente semiautobiográfico, pois segundo o próprio diretor alguns personagens são baseados em influências da sua própria infância. Ele também tem um estilo muito peculiar de direção, usa muitos artifícios como músicas, citações de outras obras e, visualmente, algumas montagens que remetem a sonhos ou delírios psicodélicos. Como tem poucos filmes na carreira, ainda é cedo para considerar uma marca registrada sua, mas pelo menos neste filme podemos dizer que há pontos positivos e negativos nessa condução de narrativa.
A princípio, alguns personagens podem parecer inconsistentes, pois se contradizem em alguns momentos. Mas, isso pode ser uma tentativa de Mills de humaniza-los mais, pois somos assim, frequentemente pessoas mudam de opinião, se arrependem, não sabem o que querem e etc. Vemos isso especialmente em Dorothea – a personagem com mais camadas – quando não tem certeza se foi uma boa ideia pedir o auxílio de Julie e Abbie na criação do seu filho.
No filme, Mills separa o background das personagens por blocos, são três mulheres de três gerações diferentes. Como mencionei, as incertezas das mudanças da época fazem Dorothea (Benning) ser a mais “pessimista” das três. Sua frase “ter o coração quebrado é uma ótima forma de aprender” indica isso. Talvez seja reflexo de sua difícil criação durante a Grande Depressão e sua maior dificuldade em compreender os novos tempos. Ou talvez apenas não consiga lidar com o fato de que seu filho está se afastando, descobrindo o mundo.
Abbie (Gerwig) nasceu nos anos 50 e representa a expressão artística. Fascinada por fotografia e encantada pela energia do crescente movimento punk, é provavelmente o espírito mais livre de todo o filme e talvez a personagem mais carismática. Ela ajuda não apenas a Jamie, como é a que melhor interage com todos os outros que vivem na mesma casa. Já Julie (Fanning) nasceu nos 60 e é a melhor amiga de Jamie, e tem que lidar com dilemas sexuais mais do que qualquer outro personagem na trama.
Você pode estar se perguntando, há homens neste filme? Sim. Apoiado por uma frase de Dorothea a Jamie, de que “homens querem consertar tudo, mas as vezes só estar presente já é o bastante”, talvez isso explique a participação de William (Billy Crudup) no filme. Sua presença é importante tanto pelo equilíbrio e empatia que proporciona, além de ajudar na aparente interminável restauração da casa onde vivem.
O filme explora uma variedade de obras, com citações de livros feministas ou de educação sexual como “Sisterhood is Powerful” e “Our Bodies Ourselves”. A falta de sutileza na exibição das obras é proposital, talvez seja Mills dando ao espectador caminhos para que ele se interesse e se aprofunde ainda mais nos temas discutidos pelo filme. O roteiro tem frases impactantes e reflexivas, e embora algumas cenas sejam um tanto desconectas entre si, o texto é muito bom, justificando sua indicação ao Oscar.
Algo que chama a atenção na direção de Mills é a movimentação de câmera praticamente constante durante o filme. Com a repetição de alguns push ins (se aproximar lentamente dos personagens) e push outs (o oposto, se afastar), podemos considerar que essa opção do diretor serve para expandir o envolvimento do público, nos convidando a participar com os personagens. Da mesma forma, reparem que quanto mais Jamie se liberta de Dorothea, a câmera se afasta lentamente, praticamente abandonando a mãe em cena.
Como ponto negativo, narrações, músicas e citações são usadas frequentemente como artifício para contar a história, algo que incomoda um pouco, pois é como se os personagens não conseguissem se revelar e se expressar suficientemente por conta própria, sendo necessário este recurso “externo” para ajudar. Assim, o filme fica mais expositivo e a história perde força. Embora os personagens sejam bem interessantes individualmente, a interação entre eles em conjunto deixa a desejar, além de como eu mencionei, algumas cenas parecem desconectas, quase improvisadas, as tornando muito subjetivas.
Considerando tudo o que foi dito e graças a excelente contribuição do seu ótimo elenco, “Mulheres do Século 20” é um filme relevante e que faz pensar. Principalmente nos dias de hoje, isso é um grande elogio, pois poucos filmes conseguem atingir esse patamar. É um trabalho tecnicamente bem realizado, embora não haja nada que salte aos olhos visualmente, mas sua força está na história que quer contar.
Trazendo reflexões sobre maternidade, amadurecimento, amor e família, o filme aproveita uma época incerta onde os EUA ainda sofriam com os fantasmas do Vietnã e da Watergate, para expandir de maneira genial a discussão por meio do discurso da “Crise de Confiança”, onde o presidente Jimmy Carter chocou os norte-americanos. Carter sabia que a crise não era apenas política e econômica, mas social, cultural e humanitária.
Com honestidade jamais vista vinda publicamente de um presidente, ele declarou que os norte-americanos haviam chegado àquela situação principalmente pela impotência de Nixon em unir a população, mas também do povo, pela inercia e falta de senso de conjunto. “Mulheres do Século 20” nos lembra a importância da igualdade, da união. E o céu vazio que abre o filme nos convida a ser como Dorothea, uma mulher sem medo de voar.
*Por Danilo Calazans – artigo originalmente publicado no Blog Pipoca de Pimenta
Mesmo baleado, assisti a um belo filme francês – Fatima, de Philippe Faucon -, como condição para entrevistar o diretor. O filme conta a história dessa mulher islâmica que vive na França, onde trabalha como faxineira. Ela está separada do marido, tem duas filhas que dá duro para sustentar. Uma se habilita para estudar medicina e a outra é a revoltada da família. Despreza a mãe, porque, como diz, ela limpa a merda dos outros. Fátima ganhou três prêmios César, o Oscar francês, incluindo Melhor Filme e Espoir Féminin, a magnífica Soria Hanrot, que faz a filha mais velha. Gostei muito, e confesso que me bateu um desânimo. Somos tão colonizados. Toda essa preocupação pelo Oscar, e o filme do Faucon é tão bacana. Deveríamos, talvez, estar nos ocupando com outras coisas.
Por Douglas Belchior*
“Eu não sou seu negro” é um filme sobre a liberdade, oportunidade e democracia nos EUA. Mais especificamente sobre quão relativos, frágeis e seletivos tais conceitos se fazem verdade na vida real do povo negro americano.
O diretor do documentário é um ativista político haitiano e negro, Raoul Peck. Ele conseguiu, com maestria, expor a saga vivida pelos negros norte-americanos, a pobreza, a desigualdade, a segregação e o racismo. Para isso, partiu dos registros do escritor James Baldwin sobre a situação da população negra estadunidense. Baldwin morreu em 1987 e não completou sua obra, “Remember this house”. Antes, conseguiu deixar seus escritos a Raoul Peck que, com a narração do ator Samuel L. Jackson, expõe nesta obra a forma como se dá a opressão racial nos EUA, a partir das trajetórias dos ativistas Malcolm X, Martin Luther King Jr. e Medgar Evers.
As histórias Malcon X, assassinado em 1965, e Luther King, assassinado em 1968, são muito conhecidas, não vou repeti-las aqui. Mas confesso que praticamente desconhecia o terceiro personagem, Medgar Wiley Evers. Foi pouco antes de um pronunciamento do presidente Kennedy, em 12 de junho de 1963, que aquele homem negro, ex-corretor de seguros estacionava na porta de casa num bairro de Jackson, capital do estado do Mississippi. Uma bala acertou-lhe as costas, entrou pela janela, ricocheteou na geladeira, quebrou um bule e estacionou na pia da cozinha. (…)
Não deve ser confortável para um branco assistir esse documentário. E não é mesmo pra ser. O enredo faz emergir a ideia de uma cultura de supremacia, racista e higienista, que desde suas primeiras gerações em terras do novo mundo, se dedicou ao extermínio indígena e à opressão aos negros. Cara-pálidas mocinhos heroicos, montados em grandes cavalos, assassinando índios como se obedecessem uma mandamento de Deus. Aos negros, a desumanização e a coisificação permanente. Coisas não sentem dor. Coisas não tem alma e valem só a sua capacidade de servir e produzir. (…)
E há um sentimento que aperta o peito ao fim do documentário, que é justamente a identidade com as raízes do sofrimento negro, dada ao passado de séculos de escravidão e colonialismo, que deixaram marcas profundas e permanências reais em nossas vidas e em ambas as sociedades. Prova disso são os índices de pobreza e precariedade em todas as dimensões da vida, a que a população negra é imposta tanto lá quanto cá.
“Eu não sou seu negro” emociona. Sim é triste e revoltante. Nos faz pensar, enquanto comunidade negra, o quanto estamos cansados de depender de “heróis brancos”, de líderes brancos, de políticos brancos e de favores dos brancos. (…) Como bem afirma James Baldwin, “Branco é uma metáfora do poder”. Metáfora essa que não fomos nós, negras e negros, quem inventou. E em alguma esquina da história essa corrente, essa permanência estamental racializada vai se quebrar. Cabe a nós, trabalharmos para que isso ocorra logo.
Por Douglas Belchior* – Douglas Belchior é Formado em História pela PUC/SP, Professor, editor do Blog Negro Belchior – Carta Capital; Fundador e professor no Movimento Uneafro-Brasil; Palestrante/Conferencista sobre a temática “História das Lutas Sociais no Brasil”, “Questão Racial no Brasil” e “Direitos Humanos”; É colunista de Lutas Sociais no Jornal da TVT – TV dos Trabalhadores; Colaborador na formação da Frente Pró Cotas Raciais do Estado de São Paulo e das Articulações do Movimento Negro contra o Genocídio da População Negra.
Siga Douglas Belchior no Facebook, no Twitter ou contate ele por email negrobelchior@gmail.com